Entenda a lei que causou muito barulho e confusão ao ser aprovada pelo parlamento do Estado de Israel.


Por David Aghiarian, Unidos com Israel

Jerusalém, 24/07/2023

 

Por meses a fio mantivemo-nos longe da crise política em Israel, tentando respeitar as opiniões tanto daqueles que apoiam a reforma judiciária proposta pelo governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu quanto aquela de seus opositores. Afinal, estamos aqui para mostrar Israel ao mundo, não para contribuir com suas crises domésticas e promover a ruptura de sua sociedade.

Dito isto, após meses de manifestações pró e antigoverno, o parlamento israelense aprovou nesta segunda feira (24), a primeira parte da reforma judiciária proposta pelo ministro da justiça Yariv Levin. Isto, quando por 64 votos a 0 foi aprovada a “Lei de Razoabilidade”.

O parlamento israelense, ou Knesset, é composto por 120 membros e os integrantes dos partidos que fazem oposição ao governo boicotaram a votação.

 

Mas afinal, o que é a Lei de Razoabilidade?

 

Israel não tem uma constituição. Esta foi pensada e seria produzida após a proclamação de independência feita por David Ben Gurion em 1948, mas as guerras que a seguiram fizeram prevalecer o extinto de sobrevivência e resiliência israelenses. Assim, o militarismo absorveu todos os esforços do recém-formado governo do Estado Judeu, que precisava sobreviver. Naquele momento julgada menos crítica, a eleição de um poder constituinte foi adiada, tantas vezes que acabou esquecida.

Com os passar dos anos algumas leis foram produzidas pelo Knesset que as chamou de “Leis Fundamentais”. Estas, ganharam um status elevado por determinar a divisão dos poderes, as atribuições de cada um deles e garantir a liberdade e os direitos básicos dos cidadãos israelenses.

Uma destas leis é a Lei Fundamental do Judiciário que trata do ordenamento jurídico do Estado de Israel. A Lei de Razoabilidade aprovada hoje, nada mais é do que uma emenda à Lei Fundamental do Judiciário.

 

O que é razoabilidade no ordenamento jurídico israelense?

 

A falta de uma constituição criou um vácuo no ordenamento jurídico israelense. Perguntas foram deixadas sem respostas e com os passar dos anos, sempre que necessário, o ativismo judicial foi usado para atender às necessidades da sociedade. Neste cenário, juízes que não são eleitos, passaram a determinar o certo e o errado, o que é bom ou ruim, o que é apropriado ou não e o que é razoável ou não.

Em uma destas respostas do judiciário às questões da sociedade o então Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Israel, Aharon Barak, abriu as portas do que ficou conhecida como a Revolução Constitucional. A partir daquele momento, o judiciário israelense viu-se no dever e capaz de intervir nas leis e atos produzidos pelos poderes legislativo e executivo.

Entre outras, o juiz Aharon Barak determinou que as Leis Fundamentais de Israel eram na realidade sua constituição e que existem diversos mecanismos através dos quais o sistema judiciário pode intervir e mesmo cancelar, os atos dos demais poderes.

Um dos mecanismos de intervenção adotados pelo poder judiciário israelense é o Princípio da Razoabilidade. Através dele, juízes decidem o que é razoável ou não. Se um ato ou lei não forem razoáveis aos olhos do Supremo Tribunal de Israel, estes podem ser anulados.

Vale ressaltar que o Princípio da Razoabilidade não é o único mecanismo de freios e contrapesos do Direito Administrativo de Israel, mas apenas uma de suas ferramentas.

Outra questão importante é que diferente do Princípio da Proporcionalidade que está previsto no artigo 3° da Lei Fundamental do Judiciário, o Princípio da Razoabilidade adotado por Aharon Barak tem raízes colonialistas. Ele está previsto no Direito Britânico, ou Common Law, e foi incorporado ao ordenamento jurídico israelense por decisão do Supremo Tribunal de Justiça.

Não estamos aqui para defender ou criticar o Princípio da Razoabilidade. Como fizemos até aqui, deixaremos esta questão para o acalorado debate público e democrático da sociedade israelense. Mas para efeitos ilustrativos, direi apenas que ele pode ser usado tanto em defesa do Estado Democrático de Direito por um poder judiciário respeitável diante das decisões de um governo abusivo e autoritário, quanto como uma arma nas mãos de juízes que não foram democraticamente eleitos e que têm agendas políticas distintas daquelas defendidas por um governo escolhido pelo povo. Afinal, como disse Rui Barbosa: “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ele não há a quem recorrer”.

 

 A emenda à Lei da Razoabilidade

 

Aprovada nesta segunda-feira pelo Knesset a emenda número 5 à Lei Fundamental do Judiciário veda o acesso dos juízes ao Princípio da Razoabilidade. Isto quer dizer, que o poder judiciário não pode utilizar o Princípio da Razoabilidade para fundamentar sua intervenção nas decisões e atos do governo, Ministros de Estado e Primeiro-ministro de Israel.

É indispensável lembrar que a Lei da Razoabilidade não extingue o poder de intervenção do judiciário, como dizem aqueles que se opõe à reforma. Ela também não garante plenos poderes ao executivo, como querem aqueles que vêm o judiciário como um obstáculo para a implementação de contraditórias políticas públicas. A emenda aprovada apenas determina que em casos de intervenção judicial, esta deverá ser baseada em outros mecanismos de resguardo. Como por exemplo, o supramencionado Princípio da Proporcionalidade.